O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), o procurador regional José Robalinho Cavalcanti, avalia que a legalização dos bingos é um "retrocesso" para o país. O governo estuda reativar a jogatina a fim de sair da crise na economia e nas contas públicas. Para Robalinho, a história recente mostra que os bingos foram maciçamente utilizados em lavagem de dinheiro de grandes corporações criminosas". "Qualquer empreitada do crime organizado igualmente fornece meios de vida, não vamos chamar de empregos."
A afirmação encontra eco no coordenador da Operação Lava-Jato no Paraná, Deltan Dallagnol, que escreveu artigo em 2010 criticando a medida: "Quando é o próprio titular do bingo que promove a lavagem, resta inócua qualquer regulamentação, pois é o próprio lavador que detém em suas mãos as rédeas que lhe permitirão omitir qualquer comunicação sobre negócios ilícitos por ele geridos".
Para Robalinho, a Lava-Jato vai longe. "Não vou estranhar se isso durar cinco anos, dez anos", disse. Ele destaca que, a cada apreensão em residências e empresas de políticos, empresários e operadores, surgem mais provas. Na conversa com o jornal, ele criticou as afirmações do presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio Ribeiro -- que narrou ao jornal uma reunião entre procuradores em que foram selecionados dez nomes de políticos como alvos prioritários da Lava-Jato, como Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Fernando Collor (PTB-AL). Robalinho não negou as reuniões, mas avaliou-as diferentemente. "Não houve escolha de alvos, mas de caminhos. Os caminhos têm envolvidos, mas é algo muito mais claro. Você tem processos mais maduros e precisa ir desovando."
Veja os principais trechos da entrevista ao Correio, que foi acompanhada pelo vice-presidente da ANPR, o subprocurador-geral Humberto Jacques de Medeiros.
Os procuradores apoiam a legalização de bingos?
O período dos bingos legais foi marcado por grandes operações de combate a crimes de contrabando e lavagem de dinheiro. Foram legais por curto espaço de tempo e o que se constatou foi que não cumpriam as exigências da Lei ou repassavam a verba devida às entidades esportivas. Eles foram maciçamente utilizados em lavagem de dinheiro de grandes corporações criminosas. Tinham em seu interior os malfadados caça-níqueis, que nunca foram legais, eram fruto de contrabando, e, quando periciados, revelava-se uma programação extorsiva aos apostadores, sempre com chances muito menores que as reveladas. Em suma, nada de verdadeiramente bom houve para o Brasil em decorrência dessas atividades, e dificilmente haverá, ainda que com regulações mais rígidas. Se é verdade que criaram emprego, renda e alguma tributação, também é verdadeiro que qualquer empreitada do crime organizado igualmente fornece meios de vida -- não vamos chamar de empregos -- e renda. E não necessariamente violentos ou claramente contrários à lei. O balanço para o País, porém, sempre foi inegavelmente muito negativo. Sobre a proposta do governo de regulamentar os bingos novamente, teríamos que aguardar para ver se ela resolverá todos esses problemas, o que, infelizmente, duvidamos. A volta dos bingos e a eventual legalização de máquinas de jogo representa um enorme retrocesso para o país.
Qual o futuro da Lava-Jato?
Tudo o que aparecer será investigado. A questão é a ordem. Não vou estranhar se isso durar cinco ou dez anos. As pessoas não atentam para as buscas e apreensões e quebras de sigilo. Cada etapa coleta mais provas, que têm de ser analisadas e digeridas e que vão gerar outros rumos e outros alvos. Os fatos são muito graves. Quantos casos tiverem com foro privilegiado vão ser enfrentados. A investigação será feita com isenção total pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.
A Procuradoria quis priorizar nomes de dez políticos?
Não tenho informação concreta se a reunião aconteceu ou não. Ouvi de alguns deles (procuradores da Lava-Jato): "Olha, qualquer procurador sabe que, numa investigação complexa, você tem que escolher caminhos". Não alvos, porque o sujeito é quem eu quero atingir necessariamente, mas porque é por onde vai o caminho de se formar a prova. As diversas operações, 18 fases, têm tudo a ver com isso. Tirar daí alguma anormalidade, eu acho estranho. Os casos de Eduardo Cunha e Fernando Collor já vieram bastante maduros. Não houve escolha de alvos, mas de caminhos. Você tem processos mais maduros e precisa ir desovando.
A matéria foi publicada no jornal Correio Braziliense do dia 19 de setembro.